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1 - Um bom programa / Por uma poesia tesuda / Paudurecência. / Rogério Batalha, poeta; batalha poeta! / Rogério Batalha, poeta; batalha poeta! / Rogério Batalha, poeta; batalha poeta! / Rogério Batalha, poeta; batalha poeta! /Vá a cata de...Vá a caça de...

Este poeta eu queria que vocês tomassem cuidado! / Ele é bom e por isso é perigoso! / Ele deveria andar com uma placa indicando / Danger: o perigo.

Waly Salomão 1988

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2 - É excitante a sensação de ter nas mãos um novo livro de Rogério Batalha. Penetro no Bazar Barato em que se expõe o Rio inacreditavelmente familiar e assombroso, concreto e lírico, lúbrico e áspero, solar e sombrio, estagnado e latejante, delicado e sórdido, bruto e sensual, ordinário e fabuloso que Rogério constrói como quem monta um vitral, com cacos impregnados de loucura, memória, amor, imaginação e tesão.Confundem-se os fluidos vitais do meu corpo com os desse Rio realimaginário de megalópole do terceiro mundo em final de milênio, onde o cosmo está em carne viva. Exulto. Graças ao poeta, alguma coisa já não é a mesma na cidade em que vivo.

Antonio Cícero – 1999


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3 - O melaço de quando cana. O melaço enquanto sangue. O mel, enfim, do bagaço. É esse desvio semântico – de cana, mel e bagaço – que deixa Batalha de fora da lira edulcorada que se lê por aí.No porta-mala do poeta há presunto, no porta-luvas do poeta há presença, no seu porta-chave não há saída. Porque a coisa começa em Vigário Geral e acaba em Vaz Lobo, onde o poeta conhece, respectivamente, a banda Afroreggae, surgida da famosa chacina, e a pombagiruda Dezessete, que o trocou por “um policial tipo pulseira-de-prata-malvadão” que adora dar porrada em pederastas, piranha-assumida, ninfomaníacas, travestis, bicha-assumida, prostituta-tipo-praça-Mauá, isto é, odiava Copacabana. Pra quem vem do posto 6, como eu, é tomar a amarela via vermelha, logo depois de onde a favela derreteu, em seguida um valium via oral, e finalmente a Automóvel Clube, como quem procura “a quarta opção do semáforo”, numa região delimitada pelos cemitérios de Ira já e Inhaúma. O poeta bem que avisou: “Cerol, para dinamitar tudo que for viga realista/ Cerol, para erguer novas pontes, pontas, poesias”. Depois que o viaduto derreteu, uma alternativa é a Suburbana, rebatizada D. Hélder Câmara sob protestos da Universal, que tem seu Vaticano bem na beira dessa pista. Pois bem: foi em Vaz Lobo que conheci Rogério Batalha, aluno da UniverCidade (cuidado revisores), num curso sobre a dialética da malandragem em que terminei aluno do aluno. (...)É uma poesia desconfiada de todo o poder, inclusive do da palavra, o que o põe na contramão das tendências formalistas: “mesmo que eu escreva/ a palavra flor/ cadê a haste?/ cadê o cheiro?/ cadê a cor?” (...) O poeta pertence a um time que toma de assalto a literatura bem-pensante dos inocentes do Leblon: Cigarros, cigarras vídeos, vinhos / Noite de autógrafo ou verão? / Imagina, a vida que eu queria / Livraria o Leblon. / Relíquias, revistas / Amigos de amídalas / Bafo na nuca da solidão / Eu é que não faço / As bainhas do coração. / A poética pós-túnel, para quem já descobriu o romance de Paulo Lins, oriundo da Cidade de Deus, e a prosa curta de Mauro Pinheiro, ganha com Rogério Batalha mais luz depois do túnel.

Ricardo Oiticica – 2001. – Doutor em Teoria Literária - PUC


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4 - O poeta contemporâneo tem que ser perigoso como Dante foi perigoso: uma força respeitável frente às demais forças sociais. Do contrário, no entontecedor movimento rumo-Norte a que assistimos em nossos dias, a poesia seria qualquer coisa de marginal, menina chorona ou risonha, abandonada à beira de uma auto-estrada de tráfego intenso. O poema precisa funcionar como qualquer outra coisa. E para que possa fazê-lo, para que a poesia possa voltar a ser – como sem dúvida já o foi e potencialmente ainda o é – o mais eficaz, o mais perene e o mais exato dos meios de comunicação, é necessário, em suma, que o poema viva em função do tempo, do espaço e do homem – contra ou a favor, nunca indiferente. (Mário Faustino)Rogério Batalha é um poeta perigoso. Mas não o tema o leitor; pelo contrário, comemoremos. Depois de Malícia, Bazar Barato e Melaço, Anfíbio põe mais força no moto-contínuo desta antiga e inesgotável motriz de sonhos e vidas, a poesia. Não o tema, mas cuidado, leitor! Há muito mais do que vidas duplas ou duplos sentidos neste livro.Não queira encontrar, em Anfíbio, os sapos. Aqui estamos mais para os caranguejos cabralinos. Só que, criados no mangue carioca, driblam a severinidade da morte-vida e a aspereza da forma rígida: continuam farejando delícias como quem burla a própria ambigüidade vital (manipula a toalha xadrez do destino), ora num pé-sujo de Madureira, ora numa aula de literatura.A divisão interna que o leitor encontrará em Anfíbio também seria similar à do poeta pernambucano. São duas águas: a primeira se quer visualmente lida, as posições do verso, as fontes tipográficas reclamam um significado plástico ao poema; experimente ler, por exemplo, os versos deslocados de “A flor inusitada”: finalidade paira descrente. Esta também é a água da reflexão metapoética e da intertextualidade literária, rasuras que Batalha imprime em si mesmo e em outros poetas perigosos: estão lá a “Machadiana”, a “Oswaldiana”, ou a “Antena premonitória”, que também podia se chamar poundiana (borogodó / ao máximo grau possível).A segunda água, fluviante, flutual, requer um complemento auditivo: harmonias e melodias, tão maliciosas quanto os poemas, que os parceiros (Paulinho Lêmos, Moacyr Luz, Kinho, Dú Basconça) t(r)ocaram com Batalha. Por esta audição temo que o leitor ainda espere um pouco: por enquanto só há CD demo (o medo anagrama do demo ?), guardando pérolas como “Malícia” ou “Aliás”. Paciência! Sabemos que, a cada década, as coisas ficam menos fáceis nessa auto-estrada de tráfego intenso rumo-Norte.E é justamente por isso por não ser nada fácil colocar em circulação música e poesia (das boas), por ser quase impossível tirar a poesia das margens dessa estrada, da rapinagem do marketing, ou das pequenas castas inertes (Imagina, a vida que eu queria / Livraria o Leblon) é exatamente por isso que Rogério Batalha é um poeta perigoso: em função do nosso tempo, do nosso espaço, da nossa vida, escreve seus poemas, fabrica seus livros, inventa a Bizu, se mete em recitais pelas águas e lamas da cidade (Se a minha cidade já não é / Um Rio de águas cristalinas / Quem há de negar / Que ela ainda é a matriz da poesia). Enfim, vai se safando (anfíbio / e rasteiro / demiurgo / de si mesmo / da vida / os nervos) e engrossando o coro daqueles que insistem para nós, leitores e brasileiros, que há uma saída poética: um discurso que é bárbaro e nosso, macunaímico e malandro; o discurso do entre-lugar; de quem sabe que é melhor fazer uma canção [do subversivo ato de / cantar / (dar as costas para o / real luar) / morar / no entrelugar].Finalmente, é neste entre-lugar que o novo livro de Rogério nos coloca: não só no equívoco limite entre o que é poesia e o que é letra de música, mas também nas fronteiras de um espaço híbrido entre o risco de ler Quixote (Se De La Mancha bordou com sua lança / Devaneios imortais) e o risco de ouvir no rádio do motel algum hit biodegradável (tipo Rosana – “Como uma deusa”); ou entre a sintaxe do estranhamento (jamais descobrirá / esta grita: / turba enfurecida) e o lugar-comum de novela da Globo (muita calma nesta hora).Ao anunciar seu (entre)lugar, Anfíbio deixa para trás a dicotomia das duas águas que nos orientava a leitura. Apesar de suas duas partes, não se deixe iludir, leitor, o livro inteiro é ruidosa pororoca: foz das letras / de minha parca alma (duas enseadas) / onde a pororoca de minha vida / dispara. Para com vida que dispara, com suas elevações repentinas e seus banzeiros, Rogério nos impede de ser indiferentes.

Alexandre Faria é escritor, poeta e Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)


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5 - Das cidades feitas cidade A poesia do novo livro de Rogério Batalha transborda das páginas. Abarca a cidade, faz dela seu visgo, sua intempérie de palavras. A ousadia do poeta cria, na secura com que são escritos os poemas, a imagem do gozo pútrido e libidinoso que enforma de delícias os limites da própria cidade. Anda por ela – aqui e ali – na tragicidade com que o périplo peripatético é construído: uma nova lição das coisas, da cidade, vê-se surgir. A cidade não mais bipartida, mas fundida, amalgamada. Dubiedade do mesmo: os espaços são ocupados pelas delícias, os espaços são ocupados pela derrisão de quem se sabe membro de uma sociedade em ruínas, e, entretanto, aptos, ambos, para os prazeres que se escondem entre os escombros de si mesmos. Aqui e ali são o buraco negro, a informação dúbia de onde se extraem a merda e as delícias que a merda possibilita. Não há, na poesia de Batalha, como postula certa sociologia, duas cidades – uma apta para as delícias; outra, para os trabalhos diuturnos da escravidão, do abuso a que seriam submetidos parte de seus habitantes. Há uma e única cidade – abismada – a conviver com os fantasmas de seu passado, com sua vocação para o prazer. O poeta delicia-se – como comprovam seus versos – com os umbigos, as delícias do corpo solto, mas, nesse deliciar-se, em que é também crítico dos aspectos sujos de seus botecos, de suas latrinas, alerta para as possibilidades de ruína dos ambientes burgueses e bem cheirosos da cidade ajardinada, maravilhada de si mesma. O Rio “atado ao dissolver dos sonhos e à coagulação do concreto tem como sina sua lábia intestina já que ilha nenhuma havia (para ancorar) senão o abrupto do seu olhar.”. A linguagem da lábia intestina que o poema traduz não só nos devolve à cidade como com ela faz a contraluz da palavra: nada determina o fim do périplo trágico: Volta-se ou se sai de casa – após fazer o leitor andar a e pela cidade – com o único sentimento de que a busca da linguaimagem – poética ou não – é um porto sem ilhas, uma escala impossível, um não metódico, para quem saiba que farejar delícias é naufragar na sagacidade. Se a volta de Ulisses a Ítaca pressupõe o reconhecimento de si mesmo, nas ilhas-não de Rogério Batalha nenhum reconhecimento é possível, o destino do indivíduo que perambula pelas ruas, bares e corpos é saber-se cada vez mais desconhecido e estranho. Não há oráculo que desvele os destinos dos homens sem identidade, por isso, os habitantes desta cidade fundida podem abismar-se das belezas que as fezes ou as nuvens formulam na sua capacidade de criar instantâneos que se mostram e escondem a cada palavra, a cada olhar, quando o poeta se abeira da fugacidade física das coisas que nos habitam e que habitamos, sem que neste habitar exista a possibilidade de dissociação. -

Oswaldo Martins é escritor e poeta, formado em letras, mestre em Literatura Brasileira pela UERJ e, atualmente, frequenta o doutorado em Literatura Comparada, na UFF. 

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