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1 - Acabo um poema


Acabo um poema

Como quem lava a pele

E logo adere

Encafifada substância


Acabo

Um poema

Como quem ouve, um eco,

Através da concha


Portanto, jamais acabo um

Poema

Ou um simples verso

De modo asséptico


Posto que, repleto de estrume

(seja vinho tinto ou curtume)

Acabo um poema

Como quem anda.


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2 - Objeto


não é tal qual um sentimento
(de pessoa amada ou em tormento)
assemelha-se mais ao objeto
de plástico, aço, vinil ou ferro
vê-la por dentro pouco importa
já que só a palpável ao momento
assim, feito um bule, um vaso,
uma estrutura de cimento...
de modo que é um relógio raro
(de vírgulas, pausas e fermento)
e já que não é um objeto-claro
(melhor manuseá-lo pelo centro)
ah! a PAIXÃO é um agridoce pêndulo.


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3 - a passeata


entre olhos observo a passeata
(enquanto a pedra estilhaça)
(enquanto -em forma de navio-
uma sabiá apita e canta)
e a flâmula embaçada bica e balança
como uma batata que se assa
sob os lençóis da cama
pois, assim, a noite caía,
(sobre as minhas líquidas pupilas)
que, indagavam, diante da maresia:
um esqueleto se fuzila?


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4 - aqui e ali


p/ Viviane Batalha

aqui e ali
que ouro existe além de você?
se, pois, bainha já não há
onde eu possa me encaixar.


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5 - resistiu


resistiu à lâmina sobre a carne mofina

a dor que riu dos olhos tristes da menina

enquanto a turma heavy bebe da própria urina

(de leve veste-se tal ave de rapina)

também não tarda a tala entrá-la em surdina

pois, que, o mundo perde-se na própria turbina

como se fosse uma ave bem franzina

uma avezinha cristalina concubina.


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6 - Cidade fundida 

(fragmento)


a cidade é neta bastarda de um negro fudido. fantasma de indignação e destemperança, morta, desde os primórdios da infância, sem comprimido que dê alívio. barbaramente esquecida, neste antro de mofo e repugnância. perdida nas amarras da ciranda não há senão o labirinto. já a epiderme - sua sina - um amontoado de chacinas. alimenta-se de toda guerra, circula-se da morte-novelo. nunca existiu senão à esmo. nunca vai senão à merda!



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7 - Cidade de Deus 


dentro de um antro externo
o pobre-diabo
é todo acaso. reclusão.
fodido (no pior sentido)
sem língua ou lira
este animal é só narinas. trapos.
sangüíneo (no pior sentido)
teso (no pior sentido)
bandido
dentro de um antro patético
(incorporado pelo encosto
da exclusão)
é esterco preto
(só não germina a si mesmo).
pois é só serventia
para a violência do Estado ou da burguesia.
e estes, como a fera de Dante,
sentem até mais fome
depois que comem.


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8 - Sagacidade é saber farejar delícias


sagacidade é saber farejar delícias!
cerol
para dinamitar tudo que for viga realista
cerol
para erguer pontes, pontas, poesias
cerol
assim eu quero a vida!
(quando moleque, enumerava num papel em branco, traquinagens que me valessem o dia)
cerol fino.
para detonar ifps, certidões, propinas
(para tirar do prelo os sonhos
e mesmo amarrado ouvir o imemorial canto das sereias - mostrar aos olhos todas as ceias).
pois, se for pra ser estraçalhado,
que seja, pelo menos, pela turbina de um jato.
cerol-fino
(onde leia-se):
em busca do eu piromaníaco!
na marra amarro, não morro
pedra
penha penhasco
onde se fia afia essa faca-fado
rochedo
lapa
máquina
vulto
sombra susto
krupp mudo
soco-suco. pontudo!
taturana
(fogo que não isenta ninguém)
nada lhe apetece, apenas queima queima queima.
mas, há de se saber, que, estar possuído é apenas uma etapa.
puto curto estúpido
ninguém, pulga, ruga naquilo sujo.
desfigurado
(nem o espelho lhe parece)
passarinho engaiolado
é somente prece.
pois é seu zé, pro beleléu essa vida:
autista facista medíocre.
que papelão essa parecença com os urubus
(esse alicate a carcomer nossa lira).
e é por isso que se faz poesia:
para remar
capinar
resistir reinventar...
podre podre
presidiário
podre podre
amortalhado
podre podre
crucificado
podre podre
desumanizado
podre podre
torturado
podre podre
entulhado
podre podre
desovado.
            e mesmo assim Afroreggae...
legume negrume
podre
fezes
serve-te
ou mesmo nada
(a matadeira barata)
degustando
ruminando
os filhos bastardos dessa pátria.
extraídos
cagados cuspidos
nascidos raquíticos.
nenhum exame balístico registrará
a causa morte da tristeza da menina.
eis sua sina:
ser zezé-chica-da-silva.
e voa e pousa e revoa
(para sempre na carona)
dum louco ônibus-linha-circular
acaso existe guichê no mar?
daí reúne o que sobrou e renasce
da água-urbana-salobra
(tinha apenas treze anos a moça).
pois, se não estanca
arranca, esgarça
(o que não lhe basta)
faz de si multirão
(baço, rim, fígado, pandeiro, coração)
daí infiltra, improvisa
sua nova estação.
sim. é a urtiga no corpo
que te assanha de novo.
é a faca que te fere
a pele que repele
o destino de coxo.
sapo que é sapo
peixe que é safo
traz a lembrança da isca na alma.
não adianta impor flagelo
não adianta fazer tocaia
Vigário se afia do que beija
Vigário se afia do que mata.
sim. puta nova ainda beija
depois é que vem o eclipse
(é assim que a vida nos tinge)
e de maneira alguma adianta
não freqüentá-la
pois, erupções, também brotam no meio da sala.
mas tem também o que alimenta o coiote:
acha o tótem
(sobre o pêlo)
Acende seu copo-de-mar...
carne amarga
(doce coisa aberta)
o morde
(com a dentição oculta do corpo)
pólen, sêmen, gozo.
podre podre
desacordado
desproporcionado
podre podre
miserável
podre podre
sujeitado
podre podre
secundário
podre podre
narcotizado.
e mesmo assim Afroreggae...
os cambaus, esse mundaréu é meu!
perebento e muquirana é a mãe!
eu não sou do seu naipe!
eu tenho gogó mermão!
anchova é o caralho
eu sou é enchova de dentes afiados!
podrepodre
21 homens degolados
podrepodre
21 homens dilacerados
podrepodre
21 homens extirpados
podrepodre
21 homens assassinados
podrepodre
21 homens retalhados
podrepodre
21 homens encerrados
podrepodre
21 homens empacotados
            e mesmo assim Afroreggae.



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9 - Mirra e merda


negror azul
do cós
ao cu

rapsodo
de nós
todos

exposto
(cara a cara)
entre a pelúcia 
e a piaçava

costurar
mirra
e merda
é o que mais me interessa.


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10 - Cavar


cavar mares intempéries

desalojar

todos os trapos do dia-a-dia

ir

pela estrada território da vida

desatar mesquinharias

nem que seja por distração

cavar, lavrar

o rés-do-chão.

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11 - A flor inusitada


método não é regra

fedor não é merda

finalidade:

dois caules, nenhuma pétala.

e tudo pode ser flor

menos o que não for

clarabóia no amor

onde paira esquizofrênico e liberado

o poeta furta-cor.

cá não há história futura!

torcer é não fazer!

viver é não poupar!

(deixar-se pelo sol pigmentar)

até por fim entrares na mira

ou então de antemão

tornar-se creolina

ou senão

cantar um samba

descrente de todos os caminhos do desdouro

(ainda que por hora nau sem piloto)

não arredar o pé até ouvir sair

(DENTRO DE SI)

um eco cavernoso:

jamais possuirás ferrolhos!


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12 - Antena premonitória


vida em demasia e basta!

(o que não funciona castra)

antena premonitória:

penetrar profundamente na poda.

borogodó ao máximo grau possível:

resistir jovem e irreprimível.

rebrotar! rebrotar!

(atentar para o fato de que a atrofia

consiste em não se excitar).


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13 - Provar


sentar

na tinta fresca

provar

inóspitas belezas


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14 - Desnudar


desautomatizar o cotidiano

desmitificar velhos ângulos

desnudar

montar olhos diferentes

(nem mais frios, nem mais quentes)

checar:

a imensurável capacidade de se encantar

(já que é próprio do prazer desnudar).


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15 - Anfíbio


anfíbio e rasteiro

demiurgo de si mesmo

da vida os nervos.


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16 - Luisa Liberato


verifiquem seus marcapassos. esqueçam suas rígidas marcações teatrais.  terá luísa liberato nascido de uma macumba espacial?  já que só a cada cem anos uma dessas aparece no nosso subúrbio planeta.  seria ela uma espécie de magirus para o céu? hall do inferno?  ou seria ela apenas uma suzie-amulatada. um cetauro-fêmea?

-muito prazer, eu sou modelo-manequim-artista-de-tv. você?

-poeta de merda, encantado.

mas o que fazia tal musa no lado ímpar da avenida? aqui onde o sonho e o que a vida pode ser se bifurcam. a vida (substantivo feminino) às vezes se esconde em lugares inesperados. em certas noites costuma produzir na orla lelé da nossa cuca uma espécie de epilepsia, isto é, um descontrole motor generalizado. contudo, indiferente a calorosa galera da baba platônica, ela passava amamentando até as frestas dos nossos mais íntimos desejos. sim. a graal-fêmea seguia impávida como que anunciando: o circo já foi embora.


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17 - O menino que coitou-se


nascido em cascadura (bairro mais trash do Rio). filho de penia jackson e poros jackson. desde sempre michael tornou-se um eros amputado. uma sandy amulatada. sim. renegava a todo custo a malícia paterna. sim. era todo pobreza-mamãe. sem astúcia seu reino situava-se onde tudo era menos (músculos, pêlos, nariz). daí tornou-se um ninja de si mesmo. a todo custo resguardou-se do mundo (máscaras, luvas, guarda-chuvas). enfim. cinqüenta anos se passaram e o pobre que coitou-se morreu de dó e de dor. aliás. não foi sequer um defunto de corpo presente. é. ninguém pode achar aquele que se escondeu atrás de si .


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18 - Deus


quem o percebe adere
sua pele ou palavra?
é coisa tipo olho, copo, água?
terá, por definição, dúbia natureza?
tal uma espécie de baleia?
quem é capaz de revelar sua gênese?
os que o têm por marcapasso ou ventre?
pois, como tão presumível?
se não possui sonho nem umbigo?
ah, quem percebe DEUS
qual um aveludado precipício?


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livro à venda:


http://www.publikebook.com.br/231/cidade-fundida

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Dicionário Cravo Albin da MPB:


http://www.dicionariompb.com.br/rogerio-batalha

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Aguarrás:

http://aguarras.com.br/2006/11/09/rogerio-batalha/


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